(1756) Gabriel Malagrida, Juizo Da Verdadeira Causa Do Terremoto

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(march 2017)

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Siège social : if me des Capucins, 69001 Lyons.

froa de hunniviò Argelina, e coimanicando-fe
i/mnediatamente as velas , os que nelle eítavaó fem
advertência fogindo de morrerem queimados fe lan-
ça vao ao mar ; acudiraó a ifto os Maitezes , e pude-
rao falrar as vidas a nove peíToasj ja naó ficarao íe,
nao tres navios inimigos, que vendo o máo exito de
fua empreza j cobardes na defença , fe renderâô nri
zione.iros} Foy o numero dos moríos neíbacçaS'
muito grande, baila dizer que foraómais os mortos
do que os que ficaraó com vida : Foraó os tres na,
vios de Argelinos conduzidos a Malta , e nelles hia6
duzentos e nove Mouros ; e tinhaó eftas tresembar-
caçoens oitenta e íeis peças: achãraô fe neltas vinte
elo s q rentaes de palvore i e mais de mile ,r”“

“““ Cal'jbres : tre*ntase »ime st-

tanges- í e.Ten ta efpingardas i e outras muitas armas
oflenfivas, e deffenfivas. a’

Foy feftejada com alegria inexplicável eíla
famoza vitoria , ni Ilha de Malta , cuja acçaô fer.
vi° de pequeno alivio , e leve confolaçaó , aos Mou
ros de Iunes que alli íe achaó refugiados. A n»X
recearmos enfadar por importunos dariamos noticiâ

Otwr. i deites fuccelTos, mas como do rrffe*
H.ivaml1?0 a? c?Iaal' Jades mais celebres por i(T0
molsftos. dC tefenr ai)llUl0 Por<*ue ulvez feriamos

Si

F I M.

JUIZO

DA VERDADEIRA CAUSA

TERREMOTO,

QUE PADECEO

A CORTE

DE LISBOA.

NO primeiro de novembro

de 1755.

PELO PADRE

GABRIEL MALAGEIDA

da Companhia de J E S U S , Miflionario

Apoftolico. . . *

LISBO A| A • ^

Na Officina DE MANOED SOARES,

M.DCC.LVI.

Com todas as licenças nece (farias*

r

E MAIOR SERVIC.O OUE PÔDE
fazer hum Cidadao fiel á fua Patria ,
lie deícobrirlhe os inimigos mais pérfidos ,
e perniciofos , que lhe maquinaò ruinas ,
e tragédias as mais funéfias , e deploráveis á fua
Monarquia*, a eíta palma certamente me obri-
ga anhelar com todo o empenho a compaixaò ,
e dor inexplicável , que me affligc, de ver (por
caufa dcíles abomináveis contrários ) em deca-
dência huma Corte tao rica , tao bcíia , tao flq-
recente, debaixo dofuave, e pacifico Império
de hum Rey Pio , e Fideliííimo, que podia cau-
íar inveja ás mais opulentas Cortes de todo o
Mundo j e huma nao mal fundada efperança dc
podermos defcobrir remedio, e achai rneyo,com
que torne ao refplendor , e felicidade primeira,
todas as vezes , que eftes fatais oppoftos da fe*
licidade publica' forem abatidos.

Sabe pois , oh Lisboa , que os únicos
defiruidores de tantas calas , e Palacios , os
a flp! adores de tantos Templos, e Conventos,
homicidas de tantos feus habitadores , os in-
cêndios devorado - es de tantos thefouros , os
que as trazem ainda tao inquieta > e fora da

22 fuá

f 4 )

lua natural firmeza , naõ faõ Cometas ; nao
faõ Eílrellas , nao fao vapores, ou exhalaçoes,
nao fao Fenomenos , naó faõ contingências,
ou caufas naturaes; mas faó unicamente os nof*
fos intoleráveis peccados. Eíla demaziada car-
ga foi para nós aqueile Onus Mgypti , que
aponta o Profeta Izaias no cap. 90. , o qual af-
fim como entaó fez de hum Reyno , o ma(s
opulento do Mundo , hum aííbmbro de mife-
rias, aflim no prefente , fez de huma Corte,
ítainha das da Europa , o horroroío cadaver ,
que contemplamos : I niquitates no (Ira fiiper-
gre (] a funt caput no (Ir um , & Jicut onus grave
gravatafunt fuper nos. .

Qms erit , oh conftcrnada Corte tile fer -
retts , qui nottmoveattir , á viíla de taõ horren-
da deííblaçaõ ? Campus ubi Troyafuit ; olmti-
iiam , que foflern ao menos campos ! <Jue Te-
lia menos diíficultofo efeogitar algum modo
de reftauraçaõ ! Porém eu naó vejo mais que
a montes inconfoíaveis minas , á viíla dos
quais , naõ podia deixar de lançar rios de la-
• grimas hum Jeremias , e fazer como próprias
deite íaítimofo eílrago as lamentaçoens , que já
fez fobre a íua amada Jeriifalem : Quomodo fè •
det fola civit as plena popuh : faãaefl quafi vi-
dua domina gentium. Todos os feus moradores
a defempararaó , íubmergindoTe no feu pranto:

Floram

Pior ans pior avit in mãe y & mn ejl , qfd confolei
tur eam ex ommbtís chark ejus ; porqüe a 4or >
e o eílrago immenfo , naõ admitte coflfolaçao :
Via Sion lugent , eo qaod non fint } qui ventant
ad folemmtatem , e como haõ de acodir paífa-
geiros is feílas , e folemnidades , fe uaõ ha ,
nem ruas, nem cafas , nem Templos , nem Al-
tq^es , nem SACRAMENTOS ? Ontnes porta

ejusdeftruãa , Sacerdotes ejus gementes virgi-
nes ejus fqualida ; quebradas as fiias claufuras
fahem dos feus Conventos as Efpofas do Senhor,
fazendo de huma Cidade taõ pia , e taõ Catho-
lica huma Babilônia de inconíòlavel confazaõ >
& ip(a oppr.efja atnaritudine. E donde procede-
rão tan tas ruinas? Propter multitudinem mqujta-
tum ejus. NaoTaltaraõ também á infeliz Jerufa-
Jem os arrancos de ter remotos eílrondofiííimos ,
confederados com outros males, naõ menos for-
midáveis, porém tudo foi effeito, unicamete dos
feiis grandes peccados: Peccattm pcccavit j Jeru -
falem , propter ea inflabilis f aã a ejl. Faãi funt
hoftes ejus in capite yimmici ejus locupleãaii funt .
Com taõ grande colheita de almas peecadoras ;
que levaraõ para o Inferno ,♦ e tudo iílo unica-
mente pelo excefib dos feus peccados: Quiet
Dominus locutus ejl [up er eam propter multituÀt ■
nem iniquitatum ejtts.%

Pata mayor confirmaçaõ 4e verdade ta©

áüda :

( s r

indubitável •> íeja^me licito trasladar hum rafgo
d,e hum nobiliííimo Orador (agrado da Campa-*
nhia de JESUS , ufado opportunamente cm oc-
caüao de huma graviffi ma calamidade , com que
o brado Divino ameaçava, naõ fei , que Cida-
de de Italia íiia patrria.P.Anten. Bordou „ Qual
^ara opprelle da calamitá gemonore Provinde
,>e le citta non occorreno dar ne al Cieío la col-
„ pa con attribuirne a maligne codellazioni
» le 'origine. Chi farco de cornuni di faftri im
» Marte , o un Jiove , o un Saturno , o un qual-
„ che akero pianeta malévolo , credete rniudi*
h tort , inganna feiteílò e inganna voi. La vera
), regoía per a cerrar Ia cagione deveri maíi, che
„ inpndano non daííi aftrologi fi deve prendere
„ mndalibri fagoi. Leggeteli pertanto evi ícarge-
„rete: che Iafonte amara dacut tutte ícaturiíco-
„ no le mizerie de populi cila e il pèccato: M//£-
„ ros facit popuhs peòccmm. Prov. Queft. e il
„ principio che ítabiliícono generalifíimo ,* e poi
„ íeendendoa lezioni particular*, li tàníàpere,
„ che fe vadétti abatimento de Monarchie, de*
A íolazioni de regni feoiwolgimento de 'Gover*.

tn tutto les concerto vien dal peccato: Regnum
Ú a gente in- gemem .trmsfertur ^propter injufti*
jtm-y ét. immkitm. , ér çontumlm , & âi*
Jvcrfòs dolos. Ecci. 2. Vé fin íapere che íe ve-
ffiàttté invoiaríe de obfíinate a rime cfieni al

» prado,

$ prado, le mizzi al campo Je Vindemie alá
„ Vinha, cio, q vi rende di broozo el Cielo,
„ ú che non ifciol goíi in una ftilhi di .pioggia ü
„ hê il peccato Propter peccata vcftra dübo
„ vobis Cwlutn yficut fermtn , & terram anem.
» Vi fan íàpére 4 ice de trenmoti ícoropaginata
y,h terra feppelice in profundi voragini cito» e
„ citadini ricebe dei peccato la Ícoça. iíài. 24.
is‘Q onfraftione úonfrwgetiir terra 7 contritione
y -ícníereíur , terf.áy & grnvavit te mtqmtas
r J.ua , & corruet. Vi fan íàpére qfe contagi ,
„ tnortalitâ, peílilence. .

Nem digaõos que politicamente affirniao,
que procedem de caufas aiaturacs, que tile Ora-
dor fagrado a brazado no zelo do amor Divino
faz fó huma invediva contra o peccado , como
origem de todas as calamidades , queipadeeem
os homens , e que fe naõ deve comprovar com
cftes efpiritos ardentes, que fó per tendem ater-
rar os ineímos homens , e aiigmentar a íua afílic-
Çaõ com ameaços da ira Divina deíembainhaáa;
porque lie certo , íe me naõ foíle cenfurado di-
zer o que íinto defles politicos , ehamarlhe
Atheos ; porque efta verdade conhecerão ainda
os mefm os Gentios, /. Flumimm 24. %. hac ftipu-
intioy& %.fèrviu$.ff. de damn.mfett-l- propter ia-
cetidimn 4. ff. de pollicitat. I. ex conihião 15. fi
•vis tempeJiatisJ.fi merces maior J. Mar -

tias

tius ff. locath , nas quaes enfinaÓ, que não
tem outra caufa os terremotos , mais, que a in-
dignação Divina , e por eíla razao lhe chamaõ
Vim Divinam.

Mas para que faò neceílarias repetiçoens
mais diftufas.de authoridades,e miferias?Todo
o engraçado da mais flórida , e peregrina elo-
quência naó dá tanta força á verdade, como ihè
dá a ingênua , e humilde confiflao de Santo To-
bias,o qual governado do Eípirito Santo ( que
jiao pode errar) afíim enfinava aos feus irmãos,
C patrícios opprimidos com tap duro captivei m
cm Babilônia , a reconhecera unica origem dç
taofuneftos defaílres * Quoniam mn obedivimm
prtfceptis tuis ; ideo traditi fumus in direptione?nt
& captivitatem , & tnortem)& in fabulam , & in
improperium omnibus natiombus ; qtmtiam non
cbedivimuSy quoniam non obedivimns.

Ora fe o Eípirito Santo, que por fer vera-,
cidade infinita , nem póde enganar , nem pode
fer enganado, omnium P ropbetarum literh, at*
que lingnis , confefla que taó grandes caftigos, e
íiagellos faótodos effeitos das noffas culpas , não
íèi como fe poífa atrever hum fujeito Cathohco
a attribuir unicamente a caufas ,e contingências
naturaes, a prefente calamidade defte taó, trági-
co terremoto ?Nao fabem eftes Catholicos, que

eíle Mundo não he huma caía fem dono ? Não

faberti

i J * s *

íabem, que há providencia em Deos ? Que ha
Peos no Ceo, que eftá vigiando continuámente
fobre as noftas operaçoens, e que ; Si in timore
Domini non temer mus nos inftanter , cito fub -
vertetur donuts nofira ; como nos declara o me(~
mo Senhor no Ecclejiaflko cap. 27. ? Finalmen-
te, há coufa mais clara, e manifefta nas Efcriptu*
ras, que aquelia terrível medida, com que a
■Mageftade Divina méde os peccados dasCida-
- des , e dos Rey nos ? Super tribus fceleribus Da*
majci convertam eatn , & fuper quatuor non con-
vertam eam'. Juper tribus fceleribus Gazee con-
vertam eam , ér fuper quatuor non convertam
eam • fuper tribus fceleribus Tyri convertam
eam,& fuper qutuor non convertam eatn : Amos.
E fe ainda as Cidades mais barbaras , e pagans
ttnhaó huma certa , e determinada medida,
concluída a qual , os Anjos deítruidores defeafr
regavao os golpes da ira de Deos fobre ellas;
que ferá das Cidades Catholicas, cujos peccados
como acompahhados de maior conhecimento, e
de fp rezo do mefmo Senhor , fe fazem infalliveb
mente dignos de maior caftigo ?

E quando as Efcripturas naó falIaíTcm com
tanta clareza * póde íer mais evidente o Juizo ,
c fentir da Igreja nefta matéria? Em trpz Ora-
ções , que manda aos feus Miniftros ajuntar neí-
tes tremores: Deus, qui rejpicis terranty ér facis

b eam

< ( to )

eam trimére , &c. não confefla mais de feis ve.
zes, que he Deos , e não ca ufa natural , quentf
/alie ao campo com eítas armas, ou para exter-
minar os pe.ccados, ou para exterminar os pec-
cadores maneira, que tao Soberano Senhor
femprc* Ex/it vincem, ut vincat , ou acabando o
peccado no peccador- que abalado, e atemorifia-
do com tao horrendo flagello , buíca com huma
íolida penitencia o aíuo da milericordja * ou aca-
bando o pcccador no peccado ; iargando-os obí;
tinados ao furor executivo da fua Jufiiça^O que
íc colhe defte difcurfó he, que quando^inda" íi_
milhantes vozes nao fe oppuze.Tem tao manifeí-
tamente ás Eícripturas, fempre feriao temera-
rias, mal foantes,e eícandaíoías; porque direita-
mente oppoftasao fentirda Igreja, que hc fem
duvida, a que fe deve ouvir, e feguir,como meí-
tra indubitável, e como a que Nofcit fenjum fpon~ '

fiy e pode unicameate acertar na iatelligencia

dos feus fins.

He também efcandalofa , e perniciofa efta
doutrina,- porque nos diverte da refoIuçao,e
defignios de huma verdadeira penitencia, e de
darmos com ella a fatisfaçao devida á indigna-
ção tao manifefta de Deos; e como efta peniten-
cia, e emmenia da vida, he o unico efcudo , que
nos pode defender de tantos eftragos , e calaini-
dades, ainda mais rigorofas ; que nos ameaçãoj

* —i

( i * > . .1

vcjão os que íe períuadem do contrario o peri-
go, em que nos métem ? Nao cuido , que íerá
indecente de matéria tao íevéra, explicarme com
huma comparação , e fantafia Poética , que tal
vez he a mais nobre de quantas nafcêráo na ca-
beça do Principe dos Poetas, Virgílio : exami-
nando pois efte prodigiofo engenho , e fazendo
anatomia dos rayos , com que Júpiter irado
moífrava o feu furor contra a terra* afienta, que
os Cyclopes na fua fabrica ajuntavao humacer-
ta, e terrível mifiura , que era o tortuofo dos "
nimbos, o chuvofo das nuvens, o impetuoío dos
ventos , e a força mais aébva , e abrafadora do
fogo * porém o unir, e confederar contra a ruí-
na da terra elementos tao oppoftos , e impaci-
entes de união, íó o podia idear a ficção de hum
entendimento Poético, e nao executar o traba-
lho , e magiíterio do fabjilofo Vulcano na íua
caverna* .valha porém a verdade: que muito
mais bella, admiravcl, e nao fingida mifiura de.fi
cobrio Ruperto Abbad c,(Genef) /. 3-nos rayos, e
caftigos da Omnipotência, o‘dio , e amor, jufiiça,
e miíericordia : Atte?nperans ira furorem , mif
fericordia focietatan. E efta he a verdadeira m-
telligencia, e myfiefio * porque , diz o Santo, a
efpada de fogo embraçada pelo Serafim Cufto-
dio do Paraizo , era de fogo fim , c rogo mui
violentai mas era também Verfatilh> Ta/is cuim

b 2 eft .

f 12 )

tfty ( faó palavras do Santo, ) nt poffit verfari
corn as lagrimas, com o abatimento danoífa fo-
berba, com huma verdadeira penitencia, fe pô-
de virar, e com íer ferro, fogo, e efpada deííi na-
da ao extermínio dos peccadores , pòde com o
benefício da penitencia, trocarfe em chave para
abrir, aos que Hnmiliant animas fuas , ostheíbu-
ros da ni!Íeiiv.ordia , porem como- ba de entrar
neftes cuidados, e empenho o povo mais duro,e
rude nos feus vícios , e ouvirem os que dizem
aíTegurao , que eftas calamidades íaa puros
effeiros das caufas natwraes , e não vinganças, de
hum Deos indignado, e ferido no mas vivo da
íua honra , pela obftinada perfídia dos peccado-
, res? Parece me, que o mefmo demonio não podia
excogitar doutrina mais conducente á nofía irre-
parável ruina , do que enfínar eda. naturalidade
tao iijnatiifal , aíTignando ferem pelos fympto
mas das caufas feguiidas , e naturaes. , eíles fí^-
gellos,que experimentámos, ficando nós com
eítes fiftemas mais impedernidos nas injurias, e
defprezos da ca ufa primeira ; perfeverando nós
como dantes no no/Fo praótico atheifmo.

Entra na Cidade de Ninive o Profeta Jq.
nas, e paíieando por toda aquella immenfa Ba-
bilônia de confuiaõ, como hunia nuvem toda
pjenhe de rayos aífoladores, deu taõ fortes ar-
racos,com aquelles feus horroroíos brados, e tro»

VOens

«• .

( \y) , ,

vdts ; quaàragma dies,èt Nmvefubver -
tefur^ue logo aquelle inferno de culpas, e tio*,
cou, com a mais rigorofa penitencia, em paratzo
de virtudes; e mereceo efcapar daquelle exter*
minio , a. que efiava irremediavelmente fenten-
ciado. Ora eu não poíTo deixar de reparai nefte
fafto ; primo , que por mais abfolutos , e execut
tivosj que pareçaó fimilhantes decretos, e amea-
ços de Deos , fempre tem na penitencia o Jeti
remedio; fegundo, que aquelles homens erao a
mais vil efeoria do gentil ifmo, erao huns cpicu-
reos , huns homens totalmente beítiaes , em
nenhum conhecimento de Deos, nem do hm, pa-
ra que erao creados ; que toda a Bemaventu-
rança de hum homem era viver como irracio-
nal, unicamente fubtnergido nos mais torpes
Wazeres corporaes je com tudo^ he tao natural
eífeitodeftes flagelios, defpertarem em nósoco-
nhecimento de peos ; que ainda fo ameaçados
fazem, que hum abyímo de yicios fe tran^*
me em prodígio de penitencia j e tu funeítiíu-
ma Corte , a quem a efpada do furor Divino en-
trou já tanto pela terra dentro, que ha mais de
feis mezes,que continuamente te eftá ameaçan-
do ; em vez dc bufchr com toda a reíòluçao , e
esforço o remédio verdadeiro, toda te arre-
batas cm ouvir efles filvos tao venenoíos da
tragadora fei pente --N, mfucict Dm malum hop

Hm Mòrkmint ; non morkmmi ? Tornou depois
eom effeito Ninive convertida a prevaricar nas
fuás culpas : e tornou Deos a mandarlhe o feu
Minifiro, e Profeta a ameaçarlhe o caili^o *
mas porque quiz dar credito áquelies Profetas
ínrernaes , que íhe divertiao eftes temores, e Jhe
a% uravaõ , que eftes naõ erao efteitos de. ne-
nhuma caufa, ou agente íobrenatural, capaz de
íe exaíperar cõ osvicios, ou aplacar com a peni-
tencia, largando o primeiro acordo do arrepen-
dimento, experimentou taô rigoroío extermí-
nio : que nem dos peccadores ficou hum fó vi-
vente, nem de tantas, e tao magnificas fabricas
•huma fó pedra , para lembrar ao menos, comef-
tes poucos fragmentos aos feculos futuros , que
alli efteve a mais opulenta Cidade de todo o
Mundo.

Nem faltáraõ fambem nefta occafiad as
Profecias , com que a benignidade de Deos nas
aviíou anticipadamente defie caftigo , para que
o atalhaflemos á íimilhança dos Ninivitas com
o arrependimento. Cinco. vezes fei eu por noti-
cia certa, a rçvelou a huma íua Serva, que obri-
gada do mfefrno Senhor, o communicou ao feu
Padre efpiritual , para que, cal laudo o feu no-
' me ) o parti cipafie , como fez a varias pefíbas ,
para que coiií füas penitencias , e Qraçoens, mi-
tigaílem a itft fie-hum Deos indignado. Çallo

muitas

( *Y) j • , .

muitas outras , das quaes nab pode : haver duvi-
da prudente, pela gravidade dos Íujeitos, que as
tefiificao. Mais de íeis mezes antes defia ruina,
tive eu nas minhas maõs huma rèlaçaõ da pre-
ciofa morte , com que paliou defie Mundo pa-
ra os prêmios eternos , aquella Venerável Ser-
va de Deos fallecida , no dia da Annunciaçaõ
do a n no paliado de 1 755* no ob ferva ntifiimo
Convento da V ijía doLquriçal. Ora nefta rela-
çaó nao confia çlaramentc , que o meímo
Senhor lhe re veiou eftava notavelmente indig-
nado contra os peccados de todo" o Reyno , c
principalmente, oh Lisboa, contra os teus ? E qj
fez o Reyjio ? E q fizefte tu, para atalhar o cal-
tigo taõ claramente ameaçado ? Super capil/as
capítis nojlri multiplicai# funt iniquitates tioj-
tr<e : circumdedermt ms mala , quorum mn eft
numerus \ fizemos como aquçlles Origes apon-
tados pelo Profeta , tao deftemidos , e brutaesj
que ao mefmo tempo, que vem o Mundo abaixo
com eíírondo de caes , e caçadores, dirigidos a
fua ruina, íe vaò muito alegremente, em vez de
fogir, deitar a dormir prolundamente nas redes
armadas para apanhalos: Fafti futjicut Origes iU
Iaque ati dohnientes in capite omnium p late a*
rum.

Ora, fuppofta a verdade innegavel de
tantos aviíos , e profecias precedentes f haverá,

nab‘

^ ...... ( '*6 )

nào digo Cãtholico , mas Herege, Turco , ou

Judeò, que poífa dizer, que efte tao grande
açoute foi puro efteito das caufas naturaes, e
. naô fulminado efpecialmente por Deos pe-
los noífos peccados ? Mas como poderá defem.
baraçarfe de hum argumento tao forte, quenaÕ
tem , nem pode ter foluçao ? Porque eu argu-
mento aíTim,- Deos revelou , que eftava grave-
mente irado pelos peccados de todo o R.eyno,e
muito mais de Lisboa, e confeguintemente, que
havia de fulminar hum grande caftigo : logo ef-
te açoute, nao fe pode attribuir a cauíàs natii*
raes ; mas unicamente à indignaçaõ de Deos, pe-
la exoi bitancia das noílas culpas. A primeira
pfopofiçao , em que fe eftriba toda a força, para
mim he tao certa , como he certo , que o Sol hc
Sol , e que as eftrellas faô éftrellas , e que na
terra ha gente, e no mar agua; he evidente, qUe
muito tempo antes do terremoto tive nas mi-
nhas maos efte manuferipto , que acafo achei em
huma cafa das principaes de Lisboa ; e porque

nelle vi taõ grande pezo, e fubftancia , diífe a
• feudono, que nao lho reftituia mais; antes mo-
vido de hum jufto temor, e compaixão a efta
pobre Cidade , fiz varias diligencias , ainda que
tal vez nao fiz todas as que devia , para fatisfa-
2er de alguma forte a Deos , e atalhar caftigo

^°ndo • nois fabia # e era para mim tao

certo.

certo ] que fóhtima converfaó verdadeira das
rtoftas almas ao mefmo Senhor , podia atalhar
taÕ horrorofo eftrago , como he certo, que fe
viver bem me hei de falvar í Oh coroo lie certo,
que íe ao menos agora convencidos dos noífos
mefmos defaftres , e tomando o efearmento nas
noílas cabeças ( já que naõ quizemos tomallo
dos ditos exemplos alheyos) tratarmos de nos
humilhar ,‘e converter verdadeiramente a Deos,
atalharemos affedUvamente os rigores da jufti-
ça Divijria , que nos ameaça.

Eu me atrevo a dizer, que , fe defem»
ganados já com tao grande experiencia da nofta
inexplicável ihfenfibilidade , em fazermos tao
pouco cafo , e em defprezarmos tanto > e me-
termos debaixo dos pés hum tao Supremo po-
der , e Senhor , que fó com huma vifta fevéra
faz defmaftriar , e agonizar todo o Mundo, buí-
ciarmos verdadeiramente contritos, e emendados
as entranhas da fua piedade, poderá fer tao vi-
vo , tao ferio , e conftante o noífo arrependi-
mento, que façamos em certo modo arrepender
a efte Senhor , de nos ter com tanto rigor quaíi
aniquilados , ao menos defpertaremos rio amar*»
gofo mar da fua ira correntes dulciíft frias de
compaixaõ , e mifericordia , que reftituaô , e
brevemente , ao trifte, e funefto cadaver das
tuas ruínas, todo o refplendor, e antiga opulen-

c cia.

( í8 )‘

cia. Nãó o fez aífim tantas vezes com "aquelles-
Hebreos tao inconftantes , e ío confiantes nas
íiias reincidências , e contumácia ? E íe aílim
obrou com os fervos, como: potiori jure , o nao
praticara com no/co , a quem honra com o titu-
Jo >.e tratamento de Filhos ? Etfilii Deinomm-

mur , & fimm. Sirvame para todos os cafos efta
Eícriptura.

iN ao fe contentou iizequiiel em empre-
gar todo o cabedal do feu zelo, para reduzir
o pérfido , eobftinado Povo, já diípçr-fb , já
defiruido, já condem nado ao jugo , e cadeas de
cfcravos em Babilônia; mas lamentando conti-
nuainente , e chorando fobre as miíèrias , e
captivei.ro infoportavel do meímo povo, me-
receo ouvir do meímo Deos : nao fó palavras
de paz, e de perdão de tantos aggravos re-
cebidos; mas que tornariaò outra vez a ref.
pirar, e cobrar forças , e império de domi-
nante , aquellas relíquias da mais inconfola-
vel fervida 6 ; e porque nao defconfiaífe de
tao alta eJperança o Profeta contemplativo
cx que le ve de repente arrebatado do bra-
ço de Deos, Gap. 37. FaHa efl fuper me Ma-
um Domini , e levado a hum grande campo,
qm erat plenus ojjibus ; e depois que o Fez me-
dir bem com o Feu afpea0 atonito, e efpaih
tado de podridão taõ iufinita, entra com elle
- a per.

( 19 ) . . ? . •

a perguntas o meímo Senhor : PM hommt-,
putas nevivent ojfa ifta ? Homem , 011 nino
de homem, que te parece, efias fao as mife-
raveis relíquias do teu povo? parece-te, que pO“
deràó outra vez cobrar alento , e figura de
vivos eftes cadaveres tao vaftos , e deli roça-
dos ? Ora Vaticinar e de ofjibus iflis , cr dices
eis: Que emprefto por breve momento , e ven-
do tributaria ás tuas palavras a minha Om-
nipotência grita , manda , impera difpotica-
mente fobre elles*. Ojja arida audite - erbuin
Domini ; nao efiava ainda bem concluído o
preceito , ex que impacientes para obedece,
rem, aquelles refiduos de cadaveres fizerao
huma bulha infinita ; Et ecce commouo : & ac*
cejjerunt ojja ad ójjd , ummquodque ad pinfiuram
fuam , &c.' & (uper eam nervi , & carnes ac-
cefferuut. 7. Eis em fim, em hum bater , nao
de pennas, mas em hum abrir de olhos armado
diante do Profeta, com hum exercito de mortos
reíufcitados, hum novo teatro de nuca viítasj ma-
ravilhas ! E que queria fignificar a Mageítade
Divina , com a fabrica de tantos milagres,
quantos eraó vivos, ao feu Profeta ? Muitos,
e mui grandes myfterios: porém o principal ,
e mais pertencente ao nofib cafo be ; qiie co-
mo aquelles mortos ja defpedaçados , íe ””hao
com 0 braço da Omnipotência trafpaflado a

c a n0Va

vr

v, ... . f â0 )

nova vidar aílim da íua efcrnvidaõ , fe paíla
riaõ com brevidade a florecer , e dominar na
íqa amada Jerufaíem , aquellas relíquias en-
cadeadas de Jacob , e de Judá.

Torno a dizer/e aflim remunera a bon-
dade infinita de Deos , o arrependimento dos
fervos , e íervos taõ rebeldes, e contumazes
como nao deve efperar ao menos ventura
nad inferior, o arrependimento dos fildios ?
Si filii , ér h a redes y h andes quidem Dei,cò~
htfredes^ autem Chriftr; Antes nao faõ palavras'
nao faõ feguros, naõ faõ convites do meíino
Chrifio a todos os peccadores , em quaíquet-
;.^enero de aíiicçaõ, e miferia conftituidos !

“d me owes (in Matth. 1 1. 8 i.)qui labora,
jis y & onerUti eftis y & ego reficiaty vos ; po-
irém como podemos eíFei&ivamente chegamos
» eílas Chagas , a . citas fontes , a eítas entra-
nhas taõ mifericordiofas , fe nao deteííando ,
c expeli indo as culpas , que nos afaítaó para
niajs longe do meímo Senhor , do que difta
do Occidente o Oriente, e a noite do: dia? Oh
;aííim viíle eu tanta reíbluçaõ y e fervor par^
eíta penitencia , quanta vejo cm armar barra-
ca’.s , e. erigir habitaçoens , como fe aquarte-
lados no campo fora das caías de pedra, e de te-
lha , e (tive fiemos fóra da jurifdrcçaõ do mef-
mo e de toda a íombra de perigo J

l*r_ K V Oh

W.* ^

\ tí) . r. # .)

ólr vergonha certamente, e díireza noffa ínr
difculpavel ! O mefmo Soberano infinito, ain-
da nos defpenhos mayores da fua ira, olha^ pa-
ra nós ,• e ainda com o flagello nas Maos ,
pede paz • Ego cogito cogitationes pacis , & tion
ajfliãionis. ; e nós taõ conftei nados , tao efear-
mentados, tao defenganados , tao abatidos,
taõ aterrados com o leve. movimento da íua
lança: ( Incotifpeãu fulguram is hafi tf tuce}) pa-
rece que naõ queremos acabar de humilliar-
nos , e render as armas : NunquaW , (dilfe lá
siqudle antigo,) igmrantia ctm Japiemiay im -
frudentia cum prudentia , imbecillitas cum for*
titudine , t eméritas cum conjilio , impotentia
cumpotentia in conflittum (ua [ponte defeendit.
£ ferá bem , que agora em taõ horrenda conf-
ternaçao , vejamos em nós mefmos eítes aíTom-
feros de contumácia contra Deos, que tanto ef-
tranhariamos ufar com outras creaturas ? &h
naõ permitta o mefmo Senhor, tjue também em
abatimento tao univeifal , íe hajaÕ de ouvir
aquellas. íentidiffimas queixas (regiftradas em
Job ao Capv 19.) do mefmo Senhor; Sermm
meum vocavi ,. & nw refpondit y ore proprio de -

precabar. illum. s

Mas como haõ de humilharí^j c fenfi
:eaT a Deos com a penitencia , fe dao ouvidos
-3 eítas pernicioías doutrinas y de que- todos ■ os
üQ extern

1

( n )

•extefhiimos, que experimentamos , íao efei-
tos de caufas naturaes , e uaõ caíligos de Deo$
-pelas noíTas culpas ! Porém , deixadas já dif-
putas , vejamos íe podemos entendemos milhor
na exphcaçao dos termos. Quem pode duvidar,
que também concorreífem , ou pudelTem con-
correr as caufas naturaes? O ponto he, fe Deos
fe valeo, ou naò valeo delias para caftigo das
no 11 as culpas, que já paíTavao a medida por
elle determinada. Explicome com huma compa
raçaõ bem clara,* Eu, arrebatado da colcra, de*
fembainho a efpada, e mato com effeito a quem
' me fez o aggravo ,* fe fe pergunta a caufa imme-
diata defta morte, foi a efpada ,* porém a media
ta fui eu. Nefte íentido, julgo eu, falíaõosque
appellaó para as cauías naturaes J porque de
Catholkos nao íe pòde íuppor outra couía.

Difle, que pódem concorrer , e podem
nao concorrer as cauías naturaes,* porque, co-
mo enfina a fblida , e inconcu/ía Theològia
fendo a eífencia Divina infinita , e contenda
emfi toda a virtude das mais creaturas, pô-
de allumiar fem o Sol, banhar íem a chuva
~e '.abrazar íem o fogo,* porém muitas, e mui-
tas vezes obra com as caufas naturaes ,* mas
-tudo dirigindo aos feus altiflirrios fins , e efte
hé aquclle Mitujler imn lucis , umbr<£ , que
tanto venerava Santo Agoftinho neík. -varieda-
de

Cn)

de de fucceíTos : com que demos a cadfr cou-
fa o que lhe toca , e nao tropecemos na deíor-
dem, tao lamentada nao de hum Santo Padre ,
mas de hum gentio, qual era Seneca; Infir-umc* -
ta ejus pro ipja habentes.

E haverá quem repare, qne eu diga , e
fuüente, que fò por caftigo das roílas culpas
nos vifitou a Omnipotência Divina , com fimi*
lhante flageilo ? Quaes éramos nós, Deqs Sa-
grado , antes defte caftigo ? Quaes éramos , fe
naõ aquelles mefmos , que vejo pintados, ou
profetizados por S. Paulo nafua Epifíola 2.3* ad
Timoth. Hofmr.es fe ipfis amantes , cupidi , ela.
ti , blasfemi , ingrati , Jcclejii , Jim affeãiotie , Ji-
ne pace criminatores , incontinentes , immites , Jt-
n/benignitate , proditores , protervi , tmidi , &
voluptatum cmiatores , rnagis quain Dei. Bem
claramente o temos vifto. Os theatros, as mufr
cas , as danças mais im.modeftas , as comedias
as mais obfcenas, os divertimentos, as afliften- *
cias aos touros , fendo tanto o concurfo , que
enchiaô as praças, e as ruas todas ^e nas igre-
jas , nas feftas Sagradas , nos Sermões, nasMií-
foens Apoftolicas , por mais fervoroías , que
foftem , nao apparecia huma alma ! Era a maior
laftima ver naquelles elpçõtaciilos ^piofanos ,
ainda peílbas mais iníignes em íciencia^loqucn-
cia , e Yirtude !

Que

< ( ^4 )

Que diria hum Padre Segneri , tio J; c fb-
brinho ! Q“e hum Padre Caacelíote ! Que hum
Pinamonti , hum Conflanzo , hum Baldinucci,
hum Franciíco de Geronimo,o Padre Fontano,
que chegou a ter entre os Suizos fefíenta mifc
ouvintes , e todos em hum campo , fofírendo
com inflexível paciência huma chuva infuporta-
vel , e todos defcalços , até os me/mos' Sena-
dores , e Regedores daquelía taõ popuíofa Re-
publica, chamados em fuá lingua Scuiletos.

He verdade , que ouço muitos tolere-
ufque iu Ccclum o Culto Divino , e a piedade
deita Corte, e aflentaó, que por eíte refpeito nos
fòffreo tanto a Mifericordia Divina ; porém ou-
çao do mefrno Apoftoío, que piedade he, ou era
eíta nofla: Habentes fpeciem quidem pietatis>vir~
tutem autem ejus abnegantes ; falfas apparencias
hipocriftas infinitas , e nada mais,- monturos cq.
bertos de neve para enganar com aquella frau-
# dulenta fuperficie , que os faz parecer totalmen-
te diverfos , do que na realidade faõ : Speciem
quidem pietatis habentes , virtutem autem ejus
abnegantes.

Mas ah ! Que nem fe quer eíte fraco ex-
terior y eíta leve tinta de piedade, e Culto Di-
vino ! Vetas Igrejas taÒ folitarias, e ascafas de
jogo, dc con vería, tao frequentadas ? Andar
o Santiflimo SACRAMEN TO pelas ruas

aos

m ' , _ - *

V . , (

aos enfermos , com acompanhamento pouco

decente á Mageítade Divina , ainda em atgu-
gumas das Freguezias mais populofas ? Que
praças, que commercios, que gritos, que motins
natffe fui ao , até nos coros de quafi todos os
Conventos de Religiofas? De forte, que achan-
do-me húa vez neítes confliétos , e tumultos tao
eítranhaveis,foi necefíario chcgarme a ellas,e ef
tranharlhe publicamente hum tal defprefo de
Deos, e de feu Culto: iíto era nos dias Santos, e
nas occafioens de ouvir Miífiuq em outros tem-
pos, e occafioens dos Oflicios Divinos : Solitu -
do , vaflitas , ftlenúum magnnm faãum erat in
terra porque aonde havia duzentas, e trezen-
tas Religiofas , a penas fe achavnó cinco , .011
íeis para atropelladamente maítigar aquella re-
za, que muitas vezes ceifava total mente ; por-
que nem eífe pequeno numero havia. Ifto fâ-
ziaõ as mulheres , e os homens , os Religiofos,
ós Beneficiados , as' Collegiadas , as Sés , que
haviaõ de fero ènfi no, o exemplo, e efpelho de
todas as mais i digaó os feus mefmos aggregados
as praticas , as rizadas , que rèfervavaõ aquelles
illuftres oíficiantes para o tempo das Miílas, ain-
da mais folemnes, por divertir o enfado de tao
elevados , e Divinos Myfterios. Vejamos, por
reverencia de Dcos,e compaixao de nós m.eí mos,
osgraviííimos caítigos ameaçados de.Dcoç para

d Íiiíii-

.

(

. , C *<5 )

fimilli antes ínfultos : MalediBus , qtii facit
opus Dei negligenter\ vejaÕ aqueli x.Abominatio-
nem defolationis fiam em in loco fanfto , regiílra-
da ern Sao Matth. ao Cap. 25. abominaçao, que
traz indifpenfavelmente naõ ío minas, mas ex-
termínios a toda a terra : tenhaó horror das
queixas , e ameaços do meímo Senhor em
Ezech. no Cap. 8. Vides abominationes magnas,
qttas domus Ifrael facit hic : bic na minha caía.
Ibid. verf.ó. 15. 9. Abominationes magnas abo,,
min at tones maiores , abominationes pc (finas. Nao
me poderáojá negar, ao menos de Ch riflo bern
noíTo, que fazendo beneficio a todos, ainda aos
mais impios peccadores , nunca chegou a mo-
Jeftar, nem defeompor , nem açoutar com fuas
mãos , fe nao os profanadores do Templo. £
que profanadores , e que cafta de Temp{0s
eraõ aqudles , em comparnçaõ da Santidade , e
mageílade dos noílbs ? Cttm fecijfet qttafi f/a-
gelhm de fumcuiisy omites ejecit de templo, Nao
foi pelo defprefo do feu Templo, q Deos man-
dou dous Anjos delpedaçar com açoutes taõ ri-
gorofos a Eliodoro ! Naõ foi pela vingança do
fèu Templo, que mandou do mefmoSanétua-
fio huma efcolta de chammas a devorar Nadab,
é a Biud, fó pelo deícuido de na6 obfervar nos
Sacrifícios alguns ritos, como era queimar o in-
eenfo a Deos, com fogo ufual, e profano ? Nao
i foi

0

(. *7 ) ,

foi por vingança fimilhante do Templo, que
encheo de lepra á EIRey Uzias! Por vingança
do Templo exterminou do Trono a Manâdbs,
e o mandou captivo com o feu Povo para Babi-
lônia. Por vingança do Templo privou do Rey*
no, e da vida a Balthazar , na mefma noite, em
que profanou com a intemperança do feu con*
vite, os Vafos fagrados. Pela vingança do Tem-
plo cafligou da mefma forte a Senacheribe o
fez defpedaçar com hum horrendo parricidto.
Ouçaó por reverencia de Deos, e dos feus Tem-
plos , o brado horroroío , que dá aos feus An-
jos 9 com as palavras de Jeremias, (no Gap. yi*

1 x.), que faz tremer : Acuite fãgiitas , impíete
pbaretras, quoniam uíiio Domitti efiy ultio tem -
p/j fui. Valha-me a Mageílade Divina ,* pois fe
entaõ era ta-6 inexorável em vingar as injurias
do fèu Culto , e daquelles Templos , nos quaes
nao fe admimílravaõ taõ grandes SACRA-
MENTOS, e Myfterios , pois naõ aíliília nel-
les com a fifa real prefença , o Corpo , e Sangue
de JESXJ Chrifto ; como podiamos efperar, que
paíTafie agora com tanta míénfibihdade >' e in-
difterenca as mais íacrilegas irreverências ^ e as
mais deteilavcis torpezas, que fe praticavao nos
Templps, ainda mais infignes delia Metropoli
de tantos Rey nos ?

Porém meu Deos , e Senhor ; Loquar ad
d 1 Do •

( 2* )

Dominam Deum tnmn , cum fim pu/vis , ér cinis:
perdoai, por quem íois , a minha grande igno-
rância , e fentimento ; que caíligueis as Cidades,
e proí a n adores dos voflbs Templos , pareceme
muito bem; mas que vireis a eípada fulminante
contra os voflbs mel mos Templos ! Que fejaes

taõ implacável contra as voílas Cafas , Tronos

e Altares, que apenas temos hum Templo pa-
ra recorrer á Vós, para vos louvar , para vos
offerecer á Trindade Santiífíma a Hoília pro-
piciatória do voílo Corpo fagrado i Oh eftra-
nha , e terrível vingança ! Oh fqrça a mais íu-
cluofa ,a mais horrenda , a mais inaudita da in-
dignação Divina ! Aonde fe vi o taõ grande eí-
trago, que depois que o inundo he mundo, e de-
pois da Igreja fanta no mundo: U/tio Dowmieti
ultio tempH fiui. >. - ' '

Ora , e he polTiveí, que- hum cafo deftes
hum final taõ claro , e manifeíío da mais horri-
vel indignaçaõ deDeos contra nós, nao nos mo-
va-a todos a fazer pedaços de nós mêfmos, para
darlhe fe quer algum genero de fatisfaçaõ,é°///-
gene a ventura peiori irai Ouço dizer , que nas
Cidades vifinlías, aonde a ruína nao foi taõ oj;a-
de , fízeraõ, e ainda fazem maravilhas, de peni.
tencias , pés defcalços , cruzes , açoutes , jejuns
a pao, e agua , e outras mortificações infinitas, e
ca , onde a perda, e o extermínio , he o que ve-
mos,

I ( *9 )

mos , nada, ou quafi nada vemos de tao jultós,e

indifpenfaveis difvellos; de forte que íe admiraõ
as outras Cidades , de taõ pouca demor|ftrâÇa^ >
que fez a Corte de Lisboa, publica de penitencia;
porém confeífo ingenuamente , que eu abfol ve-
ria toda efta Corte de taõ louvável tarefa de oc-
culra, ou publica penitencia , com tanto que to-
dos fizeílem a Deòs , para alguma fatisfiçaõ, o
Sacrifício de fe retirarem, por íeis dias fe quer,na
cafa dos cxercicios , para ponderar com melhor
defafogo, e maior luz, o que he, e o que nos traz
de infinitas mi ferias, hum peccado inottal contra
taÕ’ grande Senhor. He certo, que toda a noíla
ruína , e caufá de precipitamos , com tanta faci-
lidade, neíles abylmót, he a falta de confidera-
çao : Deffôlatione âeffiolata e/i omnls terra ; qttia
non efl qiíi recúgitet cor de. Concedo que ainda
no reboliço do Mundo, e das cafas particulares,
fe póde confiderar ndla matéria; mas recogitar,
como he preciíb, he refervado fó para cilas pa-
leílras Sagradas. Nem digão que íkó Chriílaós,
e que já crem, e fabeni, que há Deos, Inferno, e
Eternidade ; porque as obras nao o mofixaõ; e íe
e labem, como tao pouco o temem,! Outra cou-
fa he huma íciencia de Santos , que fe alcança
com aquellas tres horas .de Orações . hientaes ,
nao tendo mais trabalho, que attender ao Padte
Direélor, que propoem, e explana toda a fubf-
7 tancia

. I b. _ ... ..

í 3o > 4

tancia delias , e outra coufa he ter huma ícien*
cia de domonios, que fb ferve para nos fazermos
pós mais ímpios e obífioados .* Declaratio [cr -
momm mor um Mumhiat , (djz o Santo Profeta
HeyJ & Intel le cl um dai parvulis. De que fer-
ve a hum Piloto, e Capitão de Navio, trazer em
viagens difficultofas boas cartas de marear, fe
as traz ordinariamente íepultadas em o fundo de
huma caixa?

Não poíFo foffrer, o ver nos outros Rey-
jios , Domínios, Naçoens, e Republicas Ca-*
thoíicas o como fervem , e florecem cada dia
mais eíles íantos retiros , e exercícios , de mo-
do, que há Cidades eom quatro , ou feis cafas de
exercícios, todas neceíTarias pelo extraordiná-
rio concurfo das gentes, que a eiias concorrem;
e nefta dominante taõ vafta , e taõCarhoiica
tanto aborrecimento a elles, que a Companhia,
de quem .o mefmo Deos fez própria eíla admi-
niftraçao , muito mais que as outras fciencias,e
miniíferios, tendo tantas outras Cafas, nao
chegou ainda a poder ter huma Cafa bem eífe-
belecida para eífe efteito. Quantas peílbas no-
bres, e illuílres haverá, que na õ Te fa bem ex-
aminar ! Quantas que naõ fe fabem confeífar!
E quantas que nao íç fabem arrepender , e cui-
daô que toda eíla fabrica he negocio de pala-
vras , he bater no peito , he rezar o formulário

do

í 31 )

do Àélo de contrição , e nada mais , e quantos
que nao fe podem abfolver ; porque > ou nao
fabem , ou eííao efquecidos , até dos mefmos
Artigos da Fé ! Prouvera a Deos, que ifto f°íFe
fó hum cafo fingular, e que nao tiveífe achado ,
fimilhante defamparo , ainda em peílbas muito
confpicnaslComo fe pódetji facilitar, e capacitar
eftes a fazer huma confifiao geral , canomca,
verdadeira , e íegura, fe nao neffes filencios , e
folidoens , á luz de tantas inftrucçoés , e me-
ditaçoens , onde ainda com aífiífencia de
Meftres tao confpicuos , e taõ idoneos para
eífe fim , padecem firas duvidas,, para focego da
fu a conferencia , para acertar os meyos , que
haõ de tomar, eo norte que hab de feguir para
alfegurar o negocio da fua falvaçao.

Eíta oh Lisboa, he a verdadeira caufa do
terremoto , e o juízo , que delle forma r
quem te deíeja o maior bem , e o mais empe-
nhado , em que a Corte íe veja no feu an-
tigo efplendor x para coroa immoital de
Sua Mageftade , augmento de toda a Monar-
ehia , e fobre tudo para maior honra , e gloria
de Deos.,

LICENCAS,

C

D

DO SANTO OFFICIO.

PO*deTe imprimir o papel , que Te appre-
.fenta , intitulado : fiúzo da Verdadeira
caufa do terremoto $ e quer dar ao pré/o o P.
Gabriel Malagrida , e depois voltará conferi-
do para fe dar licença que corra , íero a qual
naõ correrá. Lisboa 22. de Junho de 1 75^-

Silva. António Ribeiro. Abreu. Trigofo.
Simaofozé Silve iro Lobo.

DO ORDINÁRIO.

Qenfura de Amuro Duarte Silva , Juiz do Tri\
bunal da Legada , Dezembargaâor > e Vi-
gário Ccral que foi do Arcebijpado
. de Braga , &c.

EXCEL.™ E REV.mo SENHOR.

LI com grande gofto eíle papel , que vejo
ícr invenção ,c compofiçao do P. GabneJ
Malagrida da Companhia de JESUS , varao
bem conhecido pelos feus apoílohcos empie-
cos , e do numero daquelles de que he fecun-
ô e diílimcr

< diífimo o feu efclarecido inftítuto : Nada con-
tCiij que diílbne ainda dos mais pios dièlames
daReligiaõ, antes além da propriedade das
Efcripturas , e foiidês de doutrinas, de que eíM
óinadopeluz neíle tanto a chama (uperior, que
incende ao Author, que bem moíbafer forjado
naqueila bago a, onde reíidehum eípi rito que
entre outros aftc&os , eeffeitos da íua íarguiííi-
ma contemplação , pode levantar os olhos no
primeiro de Novembro paílado , quando , em
cada ruma, que defpedia o zrmborio do feu
Collegio para o cruzeiro em que eítava ajoelha-
do , via eminentes outras tantas mortes, e tantas
mais fatalidades, pode, digo, levantar os olhos
no Ceo , e dizer para elfescom igual deíafogo ,
que reíignaçaõ : Par atum cor meum Deus , pa-
rai um cor me um \ tal he a difpoíiçaõ com quç
acodem os bons fervos, fe entendem , que fhes

pulfa o Senhor, mas loquem vive aflim, fabe
formar hum juizo taó proprio das obras de
Deos , e por iíTo me perfilado , que deixaráó fá
de o reputar , como tal , aquelles , que ou naõ
gaítao .qualquer indante em meditalas , ou com
o pretexto do acafo , querem authorizar a li-
berdade em que os precipita a fua obftinnçao,
Eile he o meu parecer. V.Excellencia refolverá
o que for fervido.Lisjjoa22.de Jülho de 1756.

Amaro Duarte Silva. . , r •

Vjíh

V TÍla a informaçad pdde-íe imprimir o pa-
pel intitulado '• Jtmo da verdadeira caú -
fa do terremoto , e depois de ítapreílo Í0t'nará
para fe conferir , edar licença para correr. I/isu
boa 23. de Julho de 1756.

’ . Í0 1 X 1 jb

D. /. A. L.

. : . ■ ' •' - \\l V

D O- P A'.C, O.

Cenfura do WR.P ?M. Manoel Monteiro da Con-
gregação do Oratorio , <&c.

SENHOR.

O Papel, que V. Mageftade me manda ver,
pareceme digniiTimo de fe eílampar , e
nerrç a matéria que nelle fc trata , nem a fórma
com que o P. Gabriel Malagrida íeu Author
difcorre , e a authoriza , contém coufa alguma
contra as regalias do Reyno, antes poderá con-
duzir muito para a pontual obfervancia da Ley
Divina, e das de V. Mageftade. Aílijp o julgo,
fafvo .0 melhor juizo. V . Mageftade ordenará o
que íor fervido. Lisboa , e Congregação do
Oratorio, no Real Hofpicio de N. Senhora das
NeceHidades em 2. de Agofto de 1 75^.

Manoel Monteiro.

Que

- ' !Uj

QUe íe pofla jmprimir ; viflas as licenças
do Santo Officio , e Ordinário , e depois
de impreíTo tornará á Mefa para íe con* !
ferir ,® taxar ,e dar licença para que corra, que
femellanao correra. Lisboa o i. de Setembro
de 1756.

Duque P. Carvalho.

Pacheco.

D. Velho.

i